terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Interpretação e Filosofia

“Como se entrosam e se diferenciam as filosofias? A única força histórica constatável, da qual resultam as alianças, os transportes e as modificações desses conjuntos teóricos, é a interpretação de um filósofo por outro. A história da filosofia não é senão o campo serenado dos conflitos e antagonismos que precedem essas transformações (...). É um fato, porém, que a interpretação sempre conduz esse processo, qualquer que seja o modelo utilizado, ou de derivação, pelo qual uma filosofia se origina de outra, ou de conjunção, quando uma se casa com outra. Não será descabido afirmar que quanto mais se multiplicam os atos interpretativos de uma filosofia, mais a sua identidade própria se robustece.

Pode-se interpretar uma filosofia guardando-se distância de seu pensamento; mas também pode o intérprete assimilar esse pensamento, fazendo-o seu. Heidegger interpretou Nietzsche, integrando-o ao seu modo próprio de pensar. De qualquer forma, quem interpreta está identificando o interpretado. Que identidade filosófica Heidegger atribui a Nietzsche?

É preciso considerar, antes de mais nada, que essa assimilação de Nietzsche não é, como ato de interpretação, apropriativo de uma outra filosofia, um dado extraordinário, isolado, do fazer filosófico em Heidegger. Singularizado pela questão do ser, inerente à definição mesma do Dasein, como ser-no-mundo, o pensamento de Heidegger tem no ato de reinterpretar todas as grandes filosofias da Antiguidade grega, da Idade Média e da época moderna, conferindo-lhes, portanto, novas identidades, o princípio mesmo de sua economia interna ou, se quisermos, de sua endogenia”.

(Benedito Nunes in O Nietzsche de Heidegger. Pazulin Editora, 2000, pp. 15 a 18).

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